Poucos romances contemporâneos conseguem fundir com tanta naturalidade o suspense narrativo com a densidade emocional de seus personagens quanto A pedra do mundo, de Uili Bergammín Oz, publicada pelo selo Vitrola Fic. O livro é uma poderosa reflexão sobre perda, fé, liberdade e reconstrução interior, com um pano de fundo histórico que evoca momentos sombrios da humanidade sem jamais abrir mão da esperança.
O ponto de partida da trama é impactante: à beira de um precipício, devastado pela perda de seu irmão Matteo na guerra, o jovem Guido Polidori se depara com um cristal misterioso, de brilho hipnótico. É esse encontro com o inusitado que impulsiona sua jornada física e existencial. O que poderia se restringir a uma metáfora sobre o luto e a superação rapidamente se transforma num enredo de múltiplas camadas, com personagens memoráveis e situações repletas de tensão e revelação. Guido é um protagonista complexo, um jovem dilacerado por um trauma profundo, que carrega no peito a dor da perda, a culpa e a dúvida sobre o próprio sentido da vida.
É nesse percurso que encontramos o maior mérito do autor: a construção dos personagens secundários. Eles não são meros coadjuvantes, e sim pilares que sustentam a jornada de Guido e expandem os sentidos do texto. Desde a figura misteriosa que o ajuda a compreender a natureza da pedra até aqueles que tentam dissuadi-lo do caminho, todos são desenhados com sensibilidade e consistência. Cada encontro provoca a sensação de se estar diante de uma alegoria viva, como se o romance fosse também uma fábula para adultos que não subestima a inteligência nem as dores de sua audiência.
O suspense está presente também no enigma interior que move o protagonista. O que, afinal, é essa pedra do mundo? De onde veio? Qual seu verdadeiro poder? As respostas são entregues gradualmente, quase como revelações espirituais. O autor evita explicações fáceis e, em vez disso, opta por um estilo que valoriza o mistério, o simbolismo e a transformação pessoal. Isso garante à narrativa uma densidade rara, capaz de envolver e inquietar ao mesmo tempo.
A linguagem de Bergammín Oz é lírica e evocativa. O autor tem domínio das metáforas e sabe dosar poesia e ritmo narrativo, sem que um prejudique o outro. O tom nunca é gratuito: cada construção poética tem função simbólica e reforça o impacto emocional da narrativa. Mesmo sendo sua estreia no gênero romance, Uili Bergammín Oz já demonstra maturidade literária. Escritor premiado, com ampla trajetória na literatura infantil, na poesia e nas artes visuais, ele transpõe para esta obra maior a sensibilidade que marcou seus trabalhos anteriores.
Com isso, A pedra do mundo se inscreve como uma leitura indispensável para quem busca mais do que entretenimento. É uma obra que desafia, que provoca, que transforma. Ao final, o leitor compreende que o verdadeiro suspense do livro não está na resolução de seus enigmas, mas na transformação que ele promove, tanto em Guido quanto em quem o acompanha nesta jornada.
É difícil sair ileso de uma leitura como esta. E talvez esse seja o maior triunfo da obra: como o cristal que brilha no meio do abismo, ela nos convida a olhar para dentro, mesmo quando tudo parece escuro. Ao fazer isso, nos revela a pedra que cada um carrega consigo — às vezes escondida, mas sempre pronta para nos salvar do precipício.