“Só há o agora. Tempo passado é lembrança e tempo futuro é adivinhação. Só o presente é tempo legítimo.”
Há nomes que não se apagam com o tempo. Permanecem impressos na literatura, na memória coletiva e, sobretudo, no coração dos leitores. Luis Fernando Verissimo é um desses nomes. Sua partida recente deixa um silêncio que ecoa profundamente, um silêncio curioso, quase irônico, vindo de alguém que sempre nos brindou com palavras tão vivas, tão cheias de graça, crítica e humanidade.
Filho do também imortal Erico Verissimo, Luis Fernando soube, desde cedo, que o verbo era um caminho possível e necessário. Mas foi como cronista que se tornou parte do imaginário nacional. Suas colunas semanais, publicadas em jornais de todo o país desde os anos 1970, fizeram dele uma presença constante nas casas dos leitores, uma voz que comentava com leveza e lucidez os absurdos e as delicadezas do dia a dia.
Verissimo foi cronista, romancista, roteirista, chargista e músico, mas, acima de tudo, foi um contador de histórias. Ele escrevia como quem conversa com o leitor. Cada texto seu parecia um bilhete deixado na mesa da cozinha, daqueles que fazem a gente rir, pensar ou se emocionar no meio da correria do dia a dia.
Entre seus personagens mais famosos estão o detetive atrapalhado Ed Mort, a Velhinha de Taubaté (a última brasileira a acreditar nos políticos) e os tipos familiares que povoam suas crônicas, casais, pais e filhos, amigos de bar, brasileiros comuns em situações nem tão comuns assim. Seu humor, muitas vezes associado à tradição da crônica bem-humorada de Rubem Braga e Fernando Sabino, trazia também um olhar crítico e preciso, sempre atento aos descompassos do país.
Luis Fernando Verissimo foi também um dos grandes nomes da crônica política e do humor de resistência. Durante os anos de ditadura e nos períodos de turbulência institucional, usava a sátira como ferramenta para questionar o poder e expor contradições sociais, sempre com elegância e quase nunca com raiva.
Sua escrita é marcada por frases curtas, diálogos ágeis e uma ironia que nunca sacrifica a empatia. Em romances como Borges e os Orangotangos Eternos, Verissimo mostrou sua versatilidade narrativa e seu domínio elegante da linguagem. Sempre com um olhar afiado e generoso, ele transitava entre a leveza e a densidade com a fluidez dos grandes mestres.
A editora Vitrola se une, neste momento, aos leitores de todo o Brasil e do mundo, que se despedem de um autor que era, mais do que um cronista do cotidiano, um tradutor de sentimentos. Nosso catálogo tem o privilégio de contar com seu último trabalho lançado em vida, o box número um da coleção Dose Única, que reúne os textos mais consagrados de autores da literatura brasileira. No primeiro lançamento da coleção, Verissimo faz companhia a Martha Medeiros com uma coletânea de crônicas que trazem a marca inconfundível de sua escrita, com as ilustrações do próprio autor.
Reler Verissimo, agora, é reencontrar suas risadas discretas, suas críticas certeiras e sua ternura encoberta por ironia. E é também descobrir, a cada crônica revisitada, que ele ainda está aqui, vivo em suas palavras, em suas entrelinhas, em seus silêncios cheios de sentido. A literatura brasileira perde um gigante. Nós perdemos um amigo invisível. Mas ganhamos o consolo de sua obra, que permanece como um abraço deixado para os dias difíceis. Um convite ao riso, à reflexão e, principalmente, à esperança de que a linguagem pode, sim, nos aproximar.